Tuesday, December 26, 2006

ESTILHAÇOS RUBROS

"Estilhaços rubros
Vítreo coração
Melhor sofrer e aprender
Que passar em brancas nuvens
Preferível ter vivido e chorado
Que nunca ter sonhado

Trago em mim
Letras e canções
Vivências, emoções
Rastros de estrelas
Pelo céu da minha consciência

Trago sob meu chapéu
Idílios e édens
Pesadelos, purgatórios
Lados opostos da mesma moeda

Melhor que rir
É rir depois de ter chorado
Viver é pranto
Mas também é música e encanto

Na mesma viola que se entoam tristes cânticos
Toca-se melodias que alegram o coração."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, December 12, 2006


DEUSA-MÃE PAGÃ

"Seiva seio
Leite leito
Molha quente
Rega o fruto
Alimenta o musgo
Verde refúgio
Abraça tudo o que há
Deusa-mãe pagã
Nos envolve
Em sonhos de aconchego
Preta branca
De todas as cores que há
Oriental ocidental
Luz no cristal
Manto de mar
Oceano sem fim
Estrondo de raio profundo
Raízes entranhas do mundo
Cabelos em trança
Covil de esperança
Vestido cor de sangue
Vestígios de mangue
Fértil coração
Resquícios da primeira pedra da civilização."

(Gustavo Adonias)

Wednesday, December 06, 2006

ESPÍRITO DAS PALAVRAS

" Quando as palavras tomam-me
Não sou ninguém
Mero meio
Instrumento do verbo

Sou como uma antena
Capto o que as palavras querem
Me torno um deus, crio novos mundos e seres
Ou diabo, destruo vidas no papel

Me teletransporto
Para portos inimagináveis
Castelos, cavernas, haréns

Não sou dono de mim
Minha mente, minha mão
São tomadas
Pelo espírito das palavras

E não há médium nem terreiro que dê jeito
Palavra não pensa, só sente
Semente fecundada no peito."

(Gustavo Adonias)

Friday, December 01, 2006

PONTO MARCADO

"Atravessamos a rua
Ruas nos atravessam
O reverso revela meu verso
Transporte de emoção
Transplante codinome coração
Não se desespere e me espere
No ponto marcado no espelho
Por olhos que se iluminam na escuridão".

(Gustavo Adonias)

Wednesday, November 22, 2006


PASSARANDO

"Sonhos, metas
Metáforas
Todos os dias
Tento diluir
A vida em poesias
Ávida de luas
Cada letra
Uma gota
Um gole
Vinho, afrodisíaco
Afrodite, Eros
A palavra me flecha
Me arremessa
Contra o infinito
Sou sua presa
Mais libertina
Ela me beija
Diariamente
A toda hora
Seu toque me arrepia
Provoca os sentidos
E pensamentos
Tormento e fantasia
A palavra é o meu avesso
Onde habita minh´alma
Verso que me aguarda
Meu anjo da guarda
E minha serpente
Em suas entrelinhas
Grito, tremo e adormeço
Meu esconderijo mais perfeito
Pássaro que abre as portas
De um céu secreto
Passagem para o sem fim
Palavra-chave
Sou eu, enfim..."

(Raiblue)

Wednesday, November 15, 2006

CAMPO DO IMPENSÁVEL

"Enquanto as pessoas carregam suas falsas importâncias
Fico aqui com essa louca ânsia
De entender significados perdidos
Habitar mundos partidos
Que trago em mim
Possuo tantas portas
Que dão acesso a inúmeras salas
Quartos de espelhos
Que contorcem minha imagem fragmentada
Janela da alma
Vitrais vivos
Cega neblina
Íntima certeza
De que tudo acaba
E ao mesmo tempo
Toda possibilidade se abre
No campo do impensável".

(Gustavo Adonias)

Saturday, November 11, 2006




SERTÃO DO JAPÃO

"Lua do sertão, rua do Japão
Macaxeira, sushi
Cangaço, harakiri
Água de açude, saquê
Chão rachado, rosto marcado
Mandacaru, samurai
Espinho, espada
Destino, desejo
Shoyu, melaço de cana
Trem bala, carro de boi
Olhos pequenos famintos, olhos grandes de fome
Um cá, outro lá
O sertão do Japão".

(Gustavo Adonias)

Sunday, November 05, 2006


SÓ OS MEUS OLHOS SABEM

Olhos fechados
Desencadeando cadeados
Agora abertos a desejos
Assustados, liquefeitos
Na pele dos minutos
Cronometrando dias imperfeitos
Regando as flores miúdas
Do tempo-jarro quebrado
De uma vida que escorre
Só os meus olhos sabem
Dos seus locais ermos
De seus canteiros de penumbra
Suas raízes, sua alma
Seu mais valioso tempero.

(Gustavo Adonias)

Tuesday, October 31, 2006

A LUA NASCE PRA TODOS

"A poesia adormece
Em qualquer lugar
No lixo, no luxo
Na terra, no mar
Numa página esquecida
Num canto qualquer
Numa folha vazia
Cheia de sentimentos
Num inverno, num verão
Verão a poesia florescendo....
Primavera e tormentos....
A poesia acontece
Enquanto tomo café
E penso nos meninos nas ruas
Sem leite, sem fé
Apenas com o chão e os pés
Mas com a prata da lua como teto
Ilusão de igualdade
No disfarce das cidades
Enquanto tira-se a vida
E o vermelho escorre no muro
Atiro poesia no azul
Que contorna tudo.... "

(Raiblue)

Wednesday, October 25, 2006


MÁQUINA DO VIVER

"A máquina automática do viver
Permanece lubrificada
Afiada e polida
Moendo o pólen da vida
E as cascas das feridas
Reciclando ilusões
Cortando sensações
Lógica indiferente e fria
Peças e engrenagens
Insuspeitável sedução
Armadilha mortal para o coração".

(Gustavo Adonias)
*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Thursday, October 19, 2006

ALGO ME FALTA

"Algo me falta...
Enquanto não identifico
Tenho que permanecer caminhando
Mancando de pernas coxas
E tropeços
Sem auxílio
Doem os meus pés
Que me transportam sem segurança

Ao cair levanto
Na certeza de um novo tropeço
E assim sucessivamente
As lições do passado se perderam com o tempo
Com o vento

As feridas não cicatrizam
Magoam a cada nova queda
Não tenho mais um corpo
Mas nódoas, placas
Sangrias

Lágrimas, lágrimas
Em rubro, escarlate

Um dia hei de aprender....

(Elenia Cardoso)

Thursday, October 05, 2006

TUDO / NADA

" Ao fim
Tudo é pó
Tudo é nada
Nada é absoluto
Assim caminhamos
Nessa estrada tortuosa
Em direção ao mar original
Somos fonte e ponte
Destino final
Ser humano já não basta
Nosso desejo nos liberta
Carregamos nossa cruz
Tudo nos traduz
Nada nos satisfaz."

(Gustavo Adonias)

Friday, September 29, 2006


RATOEIRAS

"Navalha na carne
Gosto estranho na boca
Verdade vendida na rua
Made in China

Imenso castelo de areia
Desejo de viver a vida alheia
Reality shows (circo de horrores)
Realidade efêmera

Quinze minutos de vida
O resto da existância a agonizar
Gozar com a desgraça alheia
Rir do que não tem mais graça
"Qual é a graça desgraça que há no riso do banguela?"

Horário reservado aos ratos
Imundos roedores da dignidade humana (em Brasília, 19 horas)
Só mesmo ratoeiras gigantes
Pra acabar com toda essa baboseira."

(participação especial de Zeca Baleiro, "Banguela")

(Gustavo Adonias)

Wednesday, September 27, 2006

MAIS UM DIA COMUM

"A noite rima com açoite
No tênue limite
De mais um dia em vão

Ouvindo uma longínqua canção
Blues eterno de uma vida sem emoção
Desperto sem alma, em uma ilha só minha

Costurando as ilusões de uma vida perfeita
Castelo de areia desfeito
Por uma enchente instantânea

Nestas horas o céu arde em chamas
Os anjos derretem
Em uma lenta explosão

O vento passa feito navalha
A cama arde
Em mais um século de solidão

A chuva do leste
Traz aves de rapina
O medo rasteja pelo chão

Em poucas horas tudo isso passará
A cidade acordará pronta
Para mais um dia comum."

(Gustavo Adonias)

Saturday, September 23, 2006

SENTIDO

" Nada existe tanto
Quanto aquilo que não pode ser tocado

O que não pode ser medido, contado
Em verdade é o que existe

Tudo que foge deste mundo ilusório em que vivemos
É essência
O resto é mero engano

Emoção, tudo que arde e rasga
É o que de fato faz sentido."

(Gustavo Adonias)

Thursday, September 21, 2006

RESTOS MORTAIS

" Sobre a cidade, a noite cai
E uma sombra se espalha
Uma multidão de mortais
Cheia de dor,se esvai

Pessoas circulam pelas avenidas
Com suas máscaras iguais
Sem rostos, vão se reproduzindo
Máquinas mortíferas, pós-modernismo

Voltam para casa
Sem desejos, sem nada
A fome já não incomoda
Sem sonhos, dormem e acordam

Rostos, restos, reflexos
Prosseguem imersos
No caos cósmico moderno
Deserto humano de concreto

Não se reconhecem
Nem se estranham
Apenas passam

Como poeira
Num tempo despedaçado
Sem futuro, nem passado...

E do antropofágico homem moderno
Apenas vestígios, restos..."

(Raiblue)

Wednesday, September 20, 2006


ANTROPOFAGIA

Fome sem nome
Desejo de carne, de alma
Devorar ferozmente
Pedaços iguais, diferentes
Produzir saliva
Digerir idéias
Com molho agridoce
Soluçar palavras
Satisfazer apetites
Temperar
Outras raízes
Várias matizes
Prato pronto, nova fome
Antropofagia
Tudo se come.

(Gustavo Adonias)

Sunday, September 17, 2006


ESTRANHAMENTO EM 2046

" Futuro próximo, talvez 2046
A cidade com sua etnologia da solidão nos olha
Os homens são sombras e passam desfocados
Tudo é ex-estranho
Estranhamento sem tamanho
O desejo desespero de voltar no tempo
O profeta revolucionário
Antevia com toda a paciência
Com seus olhos de raio x
O último por do sol
Ao longe músicas antigas
De um tempo já sem volta
Talvez Perfídia, Siboney
Já nem sei
Só tenho uma certeza (tinha até 1 segundo atrás)
Esse mundo de agora é hoje
Amanhã já se foi...."
(participação especial: Paulo Leminski, Lenine, Marcelo Reis, em 2046)

(Gustavo Adonias)

Thursday, September 14, 2006


QUEBRAR O TEMPO

" Quebrar o tempo
Dele retirar cada segundo enferrujado
Punhal-ponteiro
Fere sem volta
Sem fim todo dia
Zero hora se transforma
Em mais um dia
Que se perde
Ontem eu achava que meu hoje seria amanhã
Hoje nem sei que dia foi ontem
Amanhã saberei que nunca passei
De um traço de hoje
Que nunca se foi."

(Gustavo Adonias)

Saturday, September 09, 2006

MUNDO VÃO

" Mundo vasto, mundo vão
De quimeras, solidão
Outros mundos?
Utopias infundadas
Aprofundadas contradições
Mundo louco
Microcosmo, macro caos
As ruínas antenadas
Desdentada população
Esperando pelo futuro
Sonhando com o milagre da divisão."

(Gustavo Adonias)

Wednesday, September 06, 2006


ÚLTIMA LEMBRANÇA

No último cais da última cidade
Fico a mirar o noturno mar
Vejo as tristes pequenas lanternas dos últimos faróis
Ouço a nave do último silêncio que há
Solidão....
A solidão derrama-se sobre a última praia
Essa é a minha última lembrança...

(Gustavo Adonias)

Sunday, August 27, 2006


PESO

"De dentro da parede cavernosa do meu peito
Das catacumbas escuras do meu corpo
Ecoa lamento percussivo
Som rastejante, trovão na clareira
Chumbo grosso
Sino de pedra, rochedo vibrante
Serpente de olhos vermelhos
Que devora meus segredos
Conhece minhas entranhas
Entoa um canto pesado
Como o último canto jamais entoado
Traz a noite mais densa que jamais houve
Seca o último rio existente
E recomeça tudo de repente."

(Gustavo Adonias)

Friday, August 25, 2006


A ÚLTIMA NOITE

"Foi a última noite que nos vimos
Bebíamos como se o mundo fosse acabar
Como se quiséssemos afogar tudo o que nos fazia mal
Limpar tudo que nos causava aquela ânsia caústica

Nos beijávamos ansiosamente
Lábios e línguas quentes que anunciavam novamente solidão
Abraços fortes, prenúncios de novos espaços vãos
Carinhos sem futuro, desejos sem amanhã

E assim vimos o dia clarear
E cada um tomou seu caminho
Sem novos telefonemas
Sem flores ou cartão."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, August 15, 2006


HOJE

" É hoje
Nada mais me interessa
Nem a guerra, nem a corja na TV

Hoje meu tempo vale ouro
Não posso jogá-lo fora
Quero sair, fugir

Voar, ver a triste cidade de cima
Ser um anônimo pássaro
E ser um pouco divindade

Hoje
Quero beber da sua fonte
Possuí-la e sumir pela janela

Quero ser lembrado
Mesmo que como sombra
Navegante de outras alturas

Quero fazer parte do inconsciente coletivo
Romper com a lógica
Não pertencer a esse mundo

Hoje serei tudo o que quiser
Só hoje
Amanhã é outro dia."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, July 18, 2006


O AMOR ( OU A FALTA DE RAZÃO)

"O amor é lâmina cortante
Afiada pelo desejo
Esperando a sua vítima

O amor é um altar de sacrifícios
Lugar de dores e lágrimas
No qual se busca a libertação

O amor trilha caminhos no escuro
E depois não dá sequer uma lanterna
Para sairmos da escuridão

O amor é campo de batalha
E ao mesmo tempo esconderijo
Para a nossa desilusão

O amor é tudo
E ao mesmo tempo
É a falta de razão."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, July 04, 2006

AUSÊNCIA

"Essa saudade do que não vivi
Pessoas que não conheci
Lugares estranhos a mim
Tempos que me acenam ao longe
Luzes e sombras
Fantasmas alados
Por fim, essa vida
Que eu vivo, mas não é minha
E a velha certeza
De que tudo é incerto
De que tudo é ausência."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, June 27, 2006

PASSADO, PRESENTE, FUTURO

" O passado é carvão
Combustível fóssil
Que um dia queimou à exaustão

O presente é plástico
Flexível e maleável
Toma a forma de nossas paixões

O futuro é metal
Frio e calculado
Fere nossas mãos."

(Gustavo Adonias)

Friday, June 23, 2006


COSMOGONIA SEM AGONIA

" O galo faz um escarcéu ...
Canta... e é um açoite ...
(conta que é quase dia...)
Come no breu do céu
a última estrela que havia
e tira o dia ... da noite."

(Marco Bastos).

Monday, June 19, 2006

QUANDO EU AMO

"Quando eu amo
Espalho meus estilhaços
Reparto meu coração dolorosamente

Não sigo regras
Não ouço ordens
Me lanço na vida

Que venham as feridas e os cortes
Enfrento o fogo, o medo, a morte
Não consigo resistir

Se me chamarem de louco, isso ainda é pouco
Se calarem minha boca
Ainda assim ouvirão minha voz rouca

Eu não tenho paz, quero sempre mais
Tudo para fazer escorrer a dor crua e pura
Da paixão em ebulição."

(Gustavo Adonias)

Saturday, June 03, 2006


A NOITE FLUIDA

"A noite fluida corrói
Entorpece
Dilacera

A noite fluida não traz luz no fim do túnel
Não deixa rastros
Não perdoa

A noite fluida envolve
Arranca
Arranha

A noite fluida arremessa com fúria
Exorciza
Queima, mesmo no frio

A noite fluida se repete
Ao final de cada dia."

(Gustavo Adonias)

Friday, May 26, 2006

COMPOSIÇÃO

"E é sempre a chuva
nos desertos sem guarda-chuvas
e a cicatriz, percebe-se, no muro nu.

E são dissolvidos fragmentos de estuque
e o pó das demolições de tudo
que atravanca o disforme país futuro.
Débil, nas ramas, o socorro do imbu.
Pinga, no desarvorado campo nu.

Onde vivemos é água. O sono, úmido,
em urnas desoladas. Já se entornam,
fungidas, na corrente, as coisas caras
que eram pura delícia, hoje carvão.

O mais é barro, sem esperança de escultura."

(Carlos Drummond de Andrade)

Wednesday, May 17, 2006

SENTIR

"Hoje não me sinto bem
Não me sinto eu
Nem me sinto

Sinto que as horas congelaram
E as calotas derreteram
Tudo é mar e nada passa

Sinto muito
As vezes sentir é demais
Parece que nada faz sentido
E tudo isso não volta atrás

Hoje não me sinto bem
Mas também tanto faz
Sentir e ser
Isso já não me satisfaz

O que importa
É que tudo continua
A vida, e a agonia
Dia após dia..."

(Gustavo Adonias)

Monday, May 08, 2006

CIDADÃO QUEM

"Cidadão quem
Acorda todo dia
Já atropelado pelo relógio
Engole o café de sua vida requentada
Se despede da mulher com um beijo sem emoção
Reza antes de bater a porta
E sai com a madrugada sob seus pés

Pega condução
Sua única condição
De chegar em seu subemprego
E bater o ponto da aflição

Trabalha feito burro de carga
Só para na hora da bóia
Arroz, feijão e medo do mundo cão

No fim do dia
Chega em casa mais morto que vivo
Mal fala com a mulher
Nem vê o filho, órfão de pai vivo

Com a barriga vazia
Vai deitar sobre seus trapos
E sonhar com um mundo melhor
Antes de acordar para o pesadelo da realidade

Cidadão sem cidadania
Cidadão quem?
Cidadão ninguém."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, May 02, 2006

SEREIAS

No grande mar
Azul sem fim
Trópicos e linhas imaginárias
Recifes, golfos, praias, baías
Estrelas e constelações
Guias eternos
Vento cortante
Medo de naufragar
De navios fantasmas
Monstros marinhos
De nunca chegar
Não mais amar
Se perder
Pelo canto suave de lindas sereias
Mulheres do mar
Que nos querem afogar
Nesse oceano profundo
De fúria e desejo.

(Gustavo Adonias)

Friday, April 28, 2006

A ESPERA

"Esperava ansiosamente por ela
Contava os segundos seculares
Roía as unhas da alma

Esperava por ela
Montada em seu cavalo noturno
Galopando naquele vale de solidão
Vinha sempre com a noite, porém trazia luz

Os momentos com ela não tinham fim
Eternos momentos de alívio passageiro."

(Gustavo Adonias)

Monday, April 24, 2006

INQUESTÕES

"A chuva que cai aí
É a mesma que cai aqui?

O sangue que corre em suas veias
É igual ao que corre em minhas artérias?

Os velhos relógios
Marcarão os segundos do futuro?

Prenderão deus
Em um quarto escuro?

Arquitetos projetarão
Pontes interplanetárias?

Existem pássaros
Nas ilhas Canárias?

A estrada é longa
O tempo é curto

O último a sair apague a luz."

(Gustavo Adonias)

Sunday, April 23, 2006

ANJO TORTO

"Hoje um anjo veio me visitar
Débil, feio e torto
Quase morto

Hoje um anjo veio me visitar
Sem asas, sem auréola
Sem trombetas a lhe anunciar

Hoje um anjo veio me visitar
Caindo aos pedaços
Veio me dizer palavras incertas
Verdades repletas de fraqueza humana

Não havia nada de divino
Naquele pobre menino
Anjo pivete
Deixado por Deus muito antes de nascer."

(Gustavo Adonias)

Wednesday, April 19, 2006

O HOMEM INVERTEBRADO

"Me digam qual é o código genético do homem invertebrado
Seus defeitos congênitos, suas doenças futuras
O fundo se sua alma obscura

Seu tipo sanguíneo
De que mãe foi gerado
Se foi fruto de uma ciência fantástica
Projetado por um deus cego
Qual o tamanho do seu ego

Se tem um nome
Se dorme ou come
Se tem família, trabalho
Se recebe salário

Se vai morrer de causa natural
Se quando morto aparecerá no jornal
Se terá câncer
Se terá chance de viver em paz."

(Gustavo Adonias)

Monday, April 17, 2006

ALMAS CONSELHEIRAS

"Mulheres em cânticos
Pedem proteção

Homens em armas
Espingarda, enxada, facão

A vila de outrora, ruínas de hoje
Os morros, onde ainda morrem
E sempre morrerão
Almas conselheiras

Até o dia em que o sertão virar mar
E o mar virar sertão."

(Gustavo Adonias)

Saturday, April 15, 2006

"...Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol."

(Vladimir Maiakovski)

Wednesday, April 12, 2006

DEZESSETE MINUTOS

"Dezessete minutos
Caixas de ilusões
Em prateleiras de solidão

Dezessete minutos
O eco já foi ouvido
Na cidade vazia

Dezessete minutos
O mundo não para
Move-se rápido, mortalmente
Gélida guilhotina

Dezessete minutos
De desejos perdidos
Em íntima neblina."

(Gustavo Adonias)

Tuesday, April 11, 2006

CIDADE VAZIA

"Ando pela cidade vazia
Metáfora para minha vida
Algo estranho acontece aqui
Ruas desertas
Ou meus olhos nada veêm?
Não é noite nem tampouco dia
O tempo não mais existe
Só um nada concreto
Insiste em me apunhalar
Me tortura na noite inexistente
Não durmo, mas acordado não estou
Levanto em meio à bolha que me envolve
O suor me faz escorregadio
As luzes acesas sem necessidade
Iluminam minha dor quase incolor
A pessoa que me chamava de amor
Hoje não mais existe
Sumiu enquanto eu tentava me desvencilhar
de sonhos ruins
Hoje estou distante de tudo
Me afogando em lembranças
De um tempo melhor."

(Gustavo Adonias)

Monday, April 10, 2006


MULHERES DOS ESCOMBROS

"Vejam aquelas mulheres ao longe
Lapidam pedras toscas
Como se fossem diamantes

Reconstroem do nada suas esperanças
Na falta de amor

Se alimentam da dor de nada serem
Nada mais poderem ser

Aguardam seus companheiros
Sabem que não voltarão
Nem choram, nem sorriem
Não há tempo para ilusões

Reconstroem seus destinos
Moldam sua vida
Com os restos, as ruínas da guerra
Escombros dos seus ásperos corações."

(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional sob n. registro 401.580*

Saturday, April 08, 2006


A SERPENTE

"Delirante jardim
Aonde o sol não chega

Perto de uma árvore
Serpenteia repentina

Serpente de olhar profundo
Olho do mundo

Me diz ao ouvido
Coisas doces, venenosas

Palavras de amor de quando foi gente
A agora serpente"

(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional sob número registro 401.580*


Thursday, April 06, 2006


CERTEZA

Nada mais será como antes
Medos, desejos estanques
Dores estranhas
A noite chega causando estragos
Vire de lado e durma
Não é sua culpa
A vida que é curta
E o sonho imperfeito
Com essa certeza me deito.

(Gustavo Adonias)

* Poesia registrada na Biblioteca Nacional sob registro 401.580*

Tuesday, April 04, 2006


PLANOS

"A filosofia da morte
Dando adeus a entes queridos
A vida sem cortes
Ameaça abrir mais feridas
Longe, mais um dia nasceu
Aqui, já se fez noite
Um inocente morreu
De tanto calor
As geleiras derretem-se
Só a imune geladeira do meu peito, conserva
Um coração em vias de deterioração
Enquanto a cidade dorme
Outra calamidade ocorre
Ponho fogo em minha alma
Espero o sol queimar seus bilhões de anos
Enquanto isso, refaço os meus planos."

(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional sob número registro 401.580*

Monday, April 03, 2006


AVISO AOS NÁUFRAGOS

"Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?"

(Paulo Leminski)