Thursday, November 18, 2010



A PÁGINA PERDIDA
(NO ENORME SILÊNCIO DA MADRUGADA...)



A misteriosa penumbra da noite

Fria flor, pálida sina

Saara sem fim sob a colcha fina

A tez da insônia é clara

Os ponteiros dizem que sim

Derrama-se a última gota do absinto

Explode no assoalho em cor de anis


Falta uma página no livro

Aquela marcada por pétalas ressecadas

Que jaziam murchas, sem perfume

Naquela folha amarelada

Eu havia anotado

O seu codinome secreto

Revelado apenas para mim

Ele servia de senha

Para o portal de sua alma, o seu labirinto e o jardim


Perdi a calma e o sono

Fiquei a roer as horas

Esperando o longínquo amanhecer

Atravessando civilizações extintas

Ruínas do querer

Sorvendo cálices e mais cálices

Do vinho tinto das lembranças

Que passavam brancas

No enorme silêncio da madrugada...


(Gustavo Adonias)
*poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Friday, October 29, 2010


RONIN DO AMOR

Ronin do amor
Sem destino
Segue sua sina aterradora
Solidão !
Sem rei ou porto
Já não há mais sentido
A vida sangra-lhe o peito
Lâmina afiada dilacerando o coração
Até quando andar a esmo
Em busca de uma pequena esperança
De uma inútil ilusão?
Trilha sozinho a sua estrada
Foge junto com a madrugada
Em algum lugar
Há de encontrar sua redenção...


(Gustavo Adonias)



*poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Friday, September 24, 2010


EU CAMINHO

Eu caminho
E meus passos vão sumindo
Como se eu nunca houvesse estado ali
Como se minha passagem fosse fantasmagórica
Nas ruas diárias
Que vão ficando para trás

Eu caminho
E o tempo também
Com seus ponteiros certeiros
Pés de chumbo alados
Esmagando as flores do agora
Mostrando-nos que somos frágeis bailarinos
Sobre o tênue fio que separa a vida e a morte

Eu caminho
E os outros também
Estamos indo para frente
Sem sabermos o que há na próxima esquina
Além da névoa que dilui nossas pegadas...


(Gustavo Adonias)


*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Thursday, September 02, 2010



SOU MAIS SOL DO QUE PAREÇO...


Com a lua nos sapatos


Sigo a sina


Me embaraço


Choro, chovo


Me desfaço


Sou de sal, saliva


E cansaço (não sou de aço)


Trago o coração ilhado, mal iluminado


Mil milhas à sombra de mim mesmo


Singro outros mares


Sangro n´outros poros


Sempre recomeço de onde esqueço


Me torno eu mesmo


Com meus erros e acertos


Quando anoiteço


Sou mais sol do que pareço...




(Gustavo Adonias)



*poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Saturday, July 31, 2010



INFINITO TERRITÓRIO DE AMAR


No velho alforje

Ilusões gastas

Na algibeira

Estrelas frias

As alpercatas remendadas

Correm milhas

Em meio às secas trilhas

Caminhos sem novelo

Onde perder-se é muito fácil

Questão de tempo, quase um desejo

Fugir na madrugada

Antes da vida acordar

Antes do galo, vigia eterno, cantar

Percorrer todo o sertão

E todo o mar

Sem sair das veredas do coração

Infinito território de amar...


(Gustavo Adonias)


*poesia registrada na Biblioteca Nacional*


Wednesday, July 21, 2010


DESÉRTICA TRAVESSIA

Sigo a travessia

Em uma desértica caravana

Equidistante da incerteza do instante

E do futuro feito de névoa e nada

Atravesso tempestades

De areias e vontades

Desprovido de oásis

Nunca chego a um fim

Vivo com a alma nômade

No Oriente do meu peito

Sou feito de caminho, lua e mistério

Um dia me perco nesse itinerário

E encontro uma vereda

Rumo ao mar...

(Gustavo Adonias)
*poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Tuesday, July 13, 2010



PERSEGUINDO ASTROS


Perseguindo astros

Como quem segue rastros

Pequenos galhos

Frutos silvestres

Tudo é pista

Sina do encontro

O homem roda e fica tonto

Tanto quanto o pião que gira

E mira o caminho de ser sozinho

Perseguindo astros

Lua e sol no lençol do firmamento

Estrelas de alabastro

No quarto crescente do subconsciente...


(Gustavo Adonias)

*poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Monday, March 15, 2010



O TEMPO ARDE


Tempo cronometrado


Devorando seus filhos


Destruíndo todas as certezas


Agreste, áspero


Ampulheta, areia do deserto


Calmaria e tempestade


O tempo arde


E sem mais demora leva o homem


Pelo labirinto sem volta


Mas o tempo sabe


Que os sonhos ardem mais do que ele...



(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*


Friday, February 26, 2010



VINHO DOS SENTIDOS


A canção ecoava

Em um canto da mente

No limite entre a dor e a paixão

Nostalgia cortante

Sentimento ardente

Um cheiro

Um gosto

Dois corpos

A mistura das salivas

Em um mesmo copo

Vinho dos sentidos

Derramado numa viela escura

Esquecida da cidade

Lua à luz de velas

Barco à vela

No lume da noite

Sangue rubro

Erógeno perfume

Redescoberto pela mente

Inebriante reencontro

Despertado pela lembrança

Dos teus olhos perdidos

Numa noite quente...


(Gustavo Adonias)


*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Friday, February 12, 2010


"A verdadeira viagem é aquela que não se faz, já está em nós..."

(Gustavo Adonias)




ETÉREAS VIAGENS


Com um velho gosto de sangue na boca

E o corpo calejado

Viajei tantas milhas

Por ilhas perdidas no arrebol


Estive nos quatro cantos

Deste mundo nauseabundo

Como em uma nau minúscula

Jogada em uma tempestade


Vi mil povos, de mil e um países

Todos com suas angústias específicas e universais

Com suas ruínas obscuras

Que preferem esquecer


Estive em florestas tão densas

Que pareciam me sufocar

Molhadas por uma água eterna

E um calor inclemente


Visitei desertos tão secos

Asfixiando o desejo de sobreviver

Sobrevoei cidades de pedra

E outras modernas

Onde o vazio é o mesmo


Conheci tantas línguas

Todas elas mudas

Na linguagem do coração


Vaguei por toda a Terra

E o cosmo insondável


Vivi tudo isso

Com as asas da alma

Sem sair do lugar...



(Gustavo Adonias)




*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Monday, February 01, 2010

Obra do artista plástico Ed. Bernardo.


"Era brabo, Virgulino Lampião, mas era, pra que negar, das fibras do coração, o mais perfeito retrato, das caatingas do sertão."

(Literatura de cordel)



BRASA NO SERTÃO


O cão de fogo

Fez a faísca

Acendeu o pavio

Alumiou o Lampião

Virgulino tocou brasa no sertão

O grande dragão alevantou-se

Sob o inclemente sol da caatinga

Espinho do mandacaru

Mandioca brava

Cabra da peste

Espingarda, sua espada

Gibão de couro, armadura

No chapéu a estrela da justiça sem lei

Samurai do Nordeste

Facínora sanguinário ?

Herói dos desvalidos ?

Robin Hood dos fracos e oprimidos ?

Lampião tocou brasa no sertão

Fez brotar o medo e a admiração

Até que cercado pelos macacos da volante

Caiu sem vida ao chão

Deixou de ser Virgulino

Virou lenda, assombração...


(Gustavo Adonias)


*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Tuesday, January 05, 2010



PEÇAS


As minhas peças estão espalhadas

Partidas em pedaços

Ilhas em um mar de dúvidas

Jogo do destino

A sorte está lançada

Cartas jogadas pela estrada

Tabuleiro de um xadrez sem lei ou rei

Não me peças para voltar atrás

Nossas peças já não se encaixam mais

Quebra-cabeça de incertezas

Roleta russa de sentimentos

Atire a primeira pedra

Quem nunca se sentiu perdido em um labirinto

Os dados marcando o número

Da casa aonde vamos cair

Já não há como retornar

Só no fim da partida

Quando as cortinas da derradeira das peças

Se fecharem...


(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*