Thursday, December 25, 2008


PALAVRAS MOLHADAS

As palavras escorrem

Molhando os minutos

Manchando as certezas

Inundando os canteiros

De flores murchas

Dissolvendo o perfume

Em inodoras horas

Diluindo os momentos

Com a cor do nada

Incolores correntes arrastadas

Derretendo-se na alma

Em insípidas madrugadas

Permanecendo no aquário da memória

Inoculando o veneno fluído das lembranças

Em doses homeopáticas

Soro com gosto de lágrimas

Sabendo-se que no fim

Tudo escoa pelo ralo

E só o tempo seca as palavras...


(Gustavo Adonias)


*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Sunday, November 30, 2008


BAILANDO SOBRE OS TELHADOS


Dançando sob a lua

Em uma corda bamba

Brincando com o perigo

Passos de rumba, frevo, samba

Saltimbanco drama

Holofote de prata

Iluminando o palco

Louco espaço

Entre dois prédios

Jazz concreto

De peito e braços abertos

Para o número eterno, inesquecível

Sozinho sobre o mundo

Tocando fundo, rente à alma

Espetáculo no céu da cidade

Filme musical, sem ator principal

Velhos carnavais

Bloco de um só, folião anônimo

Acompanhado de uma orquestra de estrelas

Mestre-sala alado

Bailando sobre os telhados...


(Gustavo Adonias)


*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Monday, September 01, 2008

DESCALÇO SOBRE OS DESTROÇOS


Descalço sobre os destroços

Vago com o silêncio entre os dentes

Rangendo pungente

Entoando a voz dos que calam

Dos que nunca clamaram

Mudos de esperança ou de nascença

Percorro a noite

Entre a cruz e a espada

Coroa de espinhos afiada da madrugada

Ando na rua que havia

Antes da bomba fria

Destroçar as flores de sépia

Caminho em um trilho vazio

Obscuro fosso de um tempo interrompido

De um relógio parado

Volto da vida mais cedo

Como de um banquete estranho e amargo

Bebo do vinho das entranhas ardentes da alma

Ácido entorpecente que jorra

Inunda e afunda

A terra que resta

Única ilha ainda não submersa

Rubra pétala do último amor...


(Gustavo Adonias)

*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*




Saturday, June 07, 2008


TAL COMO UMA FÊNIX FLAMEJANTE



Às portas da percepção

Sem flores nem armas

Apenas com a alma carregada

De emoções afiadas

Atravesso céus de chumbo

E intermináveis madrugadas

Em meio a um jardim de silêncio

De agonias camufladas

Tantos livros nas estantes

E a vontade de não crer mais em nada

Desejo de abrir as asas

E partir em um vôo cego

Sem corpo, só alma

Por algumas horas deixar de existir

Para então renascer

Tal como uma fênix flamejante

Sob o signo de uma nova concepção...


(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Thursday, April 17, 2008


DIVINA COMÉDIA DA MENTE


Com as ilusões dilaceradas pela realidade


Parto em longa viagem


Pelo abismo que há em mim


Itinerário incerto


De loucas estrelas em queda livre


Pelo céu do meu sub mundo


Utópico lugar


De seres inimagináveis


E paisagens irrealmente belas


De estranhas criaturas


Que habitam minhas cavernas mais obscuras


Um mundo feito à imagem e semelhança


Dos meus mais profundos desejos


Sem segredos


Despojados das máscaras cotidianas


Onírica travessia


Pelos meus paraísos, infernos e purgatórios


Divina comédia da mente


Meu refúgio, sempre que o real me condena


Ao tédio dos dias sem fim...


(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Wednesday, April 02, 2008


UMA NOITE DE BLUES

Uma noite de blues
Em um bar qualquer

Lá fora a chuva

Molhando as ruas

Cá dentro, o azul-neón

Um drink, um cigarro

E a voz rouca de um velho bluesman

Dedilhando em sua guitarra

Doce e melancólica melodia

Música acendendo a memória

"Soul" ecoando

O som da gaita ardendo

Louca energia embriagando os sentidos

Trazendo de volta as vibrações do Mississipi

As canções de trabalho dos antigos escravos

Espíritos libertos, "Spirituals"

Faço uma viagem sem sair do lugar

Apenas com o som no ar

Azul a brilhar...


(Gustavo Adonias)




*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*

Monday, March 03, 2008



A ETERNA BUSCA (do que não pode ser dito...)


Evoco o mais profundo silêncio

Em nome da palavra jamais pronunciada

Sílaba cortante

Língua morta

Ainda nem nascida

Pálida página perdida

Nunca escrita

A mais preciosa e amaldiçoada

Chaga alada presa na garganta

Palavra-abismo

Muda sentença

Minha condenação

A eterna busca

Do que não pode ser dito...



(Gustavo Adonias)



*Poesia registrada na Biblioteca Nacional*